Friday, 15 November 2019

O novo livro de Bill McKibben, “Falter”, explora o fim da humanidade

O novo livro de Bill McKibben, “Falter”, explora o fim da humanidade

A humanidade está se aproximando do fim? A pergunta em si pode parecer hiperbólica – ou remeter ao arrebatamento cristão e o apocalipse. No entanto, há razões para acreditar que esses medos não sejam mais tão exagerados. A ameaça das mudanças climáticas está forçando milhões de pessoas no mundo todo a enfrentar realisticamente um futuro em que suas vidas, no mínimo, parecem radicalmente piores do que são hoje. Ao mesmo tempo, tecnologias emergentes de engenharia genética e inteligência artificial estão dando a uma pequena elite tecnocrática o poder de alterar radicalmente o homo sapiens até o ponto em que a espécie não se pareça mais consigo mesma. Seja por colapso ecológico ou mudança tecnológica, os seres humanos estão se aproximando de um precipício perigoso.

As ameaças que enfrentamos hoje não são exageradas. Elas são reais, visíveis e potencialmente iminentes. São também objeto de um livro recente de Bill McKibben, intitulado “Falter: Has the Human Game Begun to Play Itself Out?” (algo como “Lapso: o jogo humano começou a dar cabo de si mesmo?”). McKibben é ambientalista e escritor, além de fundador do 350.org, grupo que faz campanha para reduzir as emissões de carbono. Seu livro fornece uma análise empírica e sóbria dos motivos pelos quais a humanidade pode estar chegando aos estágios finais.

Imagem: Henry Holt and Co.

McKibben conversou com o Intercept sobre o livro. A entrevista foi editada e condensada para maior clareza.

Intercept – Você pode explicar o que quer dizer com “jogo humano”?

Bill McKibben – Eu estava procurando por uma expressão que descrevesse a totalidade de tudo o que fazemos como seres humanos. Também podemos chamá-lo de civilização humana ou projeto humano. Mas “jogo” parece ser um termo mais apropriado. Não por ser trivial, mas porque, como qualquer outro jogo, ele não tem realmente um objetivo fora de si. O único objetivo é continuar jogando e, com sorte, jogar bem. Jogar bem o jogo humano pode ser descrito como viver com dignidade e garantir que outros também possam viver com dignidade.
O jogo humano está enfrentando ameaças muito sérias. Questões básicas de sobrevivência e identidade humanas estão sendo realisticamente questionadas. Ficou claro que as mudanças climáticas estão reduzindo drasticamente o tamanho do tabuleiro em que o jogo é jogado. Ao mesmo tempo, algumas tecnologias emergentes ameaçam a ideia de que os seres humanos como espécie sequer estarão por aqui para jogar no futuro.

Você pode resumir brevemente as implicações das mudanças climáticas para o futuro da civilização humana como a compreendemos atualmente?

A mudança climática é de longe a maior coisa que os humanos já conseguiram fazer neste planeta. Ela alterou a química da atmosfera de maneira fundamental, elevou a temperatura do planeta acima de 1°C, derreteu metade do gelo do verão no Ártico e tornou os oceanos 30% mais ácidos. Nós estamos vendo incêndios florestais incontroláveis em todo o mundo, juntamente com níveis recordes de secas e inundações. Em alguns lugares, as temperaturas médias diárias já estão ficando quentes demais para permitir que seres humanos trabalhem durante o dia.

As pessoas estão planejando deixar grandes cidades e áreas costeiras baixas, onde seus ancestrais vivem há milhares de anos. Mesmo em países ricos como os Estados Unidos, a infraestrutura crítica está sendo prejudicada. Vimos isso recentemente com o desligamento de energia elétrica em grande parte da Califórnia devido ao risco de incêndio. Foi o que fizemos com apenas 1°C de aquecimento acima dos níveis pré-industriais. Já está ficando difícil viver em grandes partes do planeta. Em nossa trajetória atual, estamos caminhando para 3 ou 4°C de aquecimento. Nesse nível, simplesmente não teremos uma civilização como temos agora.

Como o principal culpado pelas mudanças climáticas continua sendo o setor de combustíveis fósseis, que medidas práticas podem ser tomadas para controlar suas atividades? E como ele também compartilha um planeta com todos os outros, qual é exatamente o plano do setor para um futuro de distopia climática?

Já fizemos esforços para desinvestir e interromper a construção de gasodutos, mas a próxima área crucial é a financeira: focar nos bancos e nos gestores de ativos que dão ao setor o dinheiro para fazer o que faz. Está muito claro que o único objetivo da indústria de combustíveis fósseis é proteger seu modelo de negócios a todo custo, mesmo ao custo do planeta. Grandes empresas de petróleo como a Exxon sabiam da relação entre as emissões de carbono e as mudanças climáticas nos anos 1980. Elas sabiam e acreditavam no que estava por vir. Em vez de ajustar racionalmente o comportamento para evitar a situação, investiram milhões em lobby e desinformação para garantir que o mundo não faria nada para fazê-los mudar ou interromper suas atividades.

“Assim como há muito damos como garantida a estabilidade do planeta, também damos como certa a estabilidade da espécie humana.”

Na medida em que todas as empresas de combustíveis fósseis pensam no longo prazo – e não está claro que ainda façam isso –, elas sabem que seus dias estão contados. Os custos de energia renovável estão despencando, e agora a indústria está lutando apenas para continuar atuando por mais algumas décadas. O objetivo do setor é garantir que ainda estejamos queimamos muito petróleo e gás em 10 ou 20 anos, em vez de tentar resolver o problema o mais rápido possível.

A outra grande ameaça que você identifica é representada por tecnologias como a engenharia genética. Pode explicar a ameaça que eles representam para a identidade e o propósito humanos?

Assim como há muito damos como garantida a estabilidade do planeta, também damos como certa a estabilidade da espécie humana. Existem agora tecnologias emergentes que põem em questão suposições muito fundamentais sobre o que significa ser um ser humano. Vamos pensar, por exemplo, em tecnologias de engenharia genética como o CRISPR. Elas já estão entrando em vigor, como vimos recentemente na China, onde um par de gêmeos nasceu após ter seus genes modificados em embrião. Não vejo nenhum problema em usar a edição de genes para ajudar pessoas existentes com doenças existentes. Isso é muito diferente, no entanto, dos embriões de engenharia genética com modificações especializadas.

Digamos, por exemplo, que um casal decida projetar seu novo filho para ter um certo equilíbrio hormonal destinado a melhorar seu humor. Essa criança pode chegar à adolescência um dia e se sentir muito feliz sem nenhuma explicação específica do motivo. Ela está se apaixonando? Ou é apenas a sua especificação de engenharia genética em ação? Em breve, os seres humanos poderão ser projetados com toda uma gama de novas especificações que modificam seus pensamentos, sentimentos e habilidades. Eu acredito que essa perspectiva – que não é exagerada hoje em dia – será um ataque devastador às coisas mais vitais de ser humano. Isso colocará em questão ideias básicas sobre quem somos e como pensamos sobre nós mesmos.

Há também a implicação de acelerar a mudança tecnológica na tecnologia de engenharia genética. Após modificar o primeiro filho, esses mesmos pais podem voltar cinco anos depois para a clínica para fazer alterações no segundo filho. Enquanto isso, a tecnologia avançou e agora é possível obter uma nova série de atualizações e ajustes. O que isso significa para o primeiro filho? Isso faz dele o iPhone 6: obsoleto. Essa é uma ideia muito nova para seres humanos. Um dos recursos padrão da tecnologia é a obsolescência. Uma situação em que tornamos as próprias pessoas obsoletas me parece errada.

“Da forma como as coisas estão, essas tecnologias programarão a desigualdade econômica existente atualmente em nossos genes.”

Também parece haver uma questão de desigualdade econômica, no sentido de que pessoas com mais recursos serão as que terão acesso a esses aprimoramentos genéticos.

Da forma como as coisas estão, essas tecnologias programarão a desigualdade econômica existente atualmente em nossos genes. Isso obviamente acontecerá se continuarmos por esse caminho que ninguém se incomoda em questionar. Lee Silver, professor da Universidade de Princeton, um dos principais defensores da modificação genética, já disse que, no futuro, teremos duas classes desiguais de seres humanos: os “GenRich” e os “naturais”. Ele e muitos outros já começaram a aceitar esse futuro como garantido.

O senhor acha que a inteligência artificial representa uma ameaça semelhante aos seres humanos?

Muitas das primeiras gerações de pessoas que estudaram IAficaram com muito medo de suas possíveis implicações. Há um medo de que robôs inteligentes e códigos de programação possam ficar sair do controle e acabar se tornando uma ameaça para os seres humanos. Esses medos podem ou não ser reais. No final das contas, isso me preocupa menos do que o ataque mais fundamental ao significado e ao propósito humano imposto por essas tecnologias. Eles podem facilmente eliminar a maioria das opções e atividades que nos deram nosso senso básico de identidade como seres humanos.

Qual deve ser a prioridade dos movimentos sociais que buscam defender “o jogo humano” no momento? Temos motivos para otimismo?

A mudança climática é uma questão tão imediata e avassaladora que deve ser o foco de nossa atenção agora, porque pode tornar todo o resto discutível. Eu venho acompanhando a ascensão do movimento climático ao longo de muitos anos, e isso me dá algum otimismo. Recentemente, vimos greves climáticas maciças em todo o mundo. O Partido Democrata nos Estados Unidos está se tornando energizado nesse assunto. São bons sinais. Se eles chegam a tempo ou não, não sabemos. Mas o advento da engenharia genética humana não está recebendo a atenção que merece no presente. As profundas implicações do CRISPRe de outras tecnologias em rápida evolução são questões em que devemos prestar muito mais atenção. De uma perspectiva estratégica, seria bom obter uma resistência mais cedo do que mais tarde. Como vimos com os combustíveis fósseis, quando existe uma indústria enorme e poderosa por trás de algo, esse algo se torna muito mais difícil de controlar.

No cerne de tudo, parece haver uma questão ideológica subjacente a todas essas ameaças diante dos seres humanos.

É significativo que muitas das fantasias subjacentes às manifestações mais extremas da engenharia genética e da IA venham de pessoas no Vale do Silício que compartilham uma mentalidade libertária. Elas são basicamente versões modernas dos irmãos Koch. Elas compartilham um ethos com a indústria de combustíveis fósseis, que diz que ninguém deve jamais questionar as decisões tomadas pelos poderosos e que ninguém deve impedir o negócio e a inovação tecnológica.

Enquanto isso, o público está sendo informado – e isso já faz muito tempo – de que não passa de um grupo de indivíduos e nada além de consumidores. Isso vai contra tudo o que sabemos sobre a natureza humana. Os seres humanos são felizes quando fazem parte de comunidades de trabalho, não quando estão sozinhos como indivíduos tentando dominar o universo. É disso que se tratam, em certo sentido, todas essas batalhas: construir solidariedade humana contra uma elite hiperindividualista. Precisamos descobrir mais uma vez como tomar decisões como sociedade, em vez de ter um pequeno grupo de pessoas super-ricas as tomando em particular por todos nós.

Tradução: Cássia Zanon

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