Saturday 31 August 2019

A proposta climática de Bernie Sanders é mais radical que a de seus oponentes

A proposta climática de Bernie Sanders é mais radical que a de seus oponentes

Se você tentasse delinear um programa com o intuito de atingir o alto escalão das corporações mais poderosas do mundo e os políticos cujas carreiras elas financiam, você teria algo parecido com o que Bernie Sanders revelou no dia 22 de agosto em sua versão do New Deal Verde, orçada em US$ 16,3 trilhões. Esse é um ponto. “Nós precisamos de um presidente que tenha a coragem, a visão e o referencial para enfrentar a ganância dos executivos dos combustíveis fósseis e da classe bilionária que se interpõe no caminho da ação climática”, afirma o plano na introdução, ecoando uma frase famosa de Franklin Delano Roosevelt: “Nós precisamos de um presidente que receba esse ódio de braços abertos”.

A partir da proposta apresentada pela deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez e pelo senador Ed Markey em abril, Sanders delineia um sistema abrangente, que geraria energia limpa estatal, daria origem a 20 milhões de novos empregos, acabaria com as importações e exportações de combustíveis fósseis, reavivaria a rede de segurança social, repararia injustiças históricas, como o racismo ambiental, e investiria de forma prolífica na descarbonização tanto dentro como fora dos Estados Unidos — entre muitas e muitas outras coisas. Não seria apenas uma transição para afastar a sociedade americana dos combustíveis fósseis, mas também a reavaliação de falácias que circulam há décadas, com o patrocínio da direita, acerca dos respectivos papéis do governo e da economia.

“Este é, definitivamente, o maior e mais audacioso plano existente hoje”, disse Evan Weber, diretor político do Movimento Sunrise, “tanto na escala, pura e simples, como nos mecanismos para atingir essa escala; realmente parece [que Sanders está] empurrando os limites que estruturam a sociedade americana atualmente”.

Propostas novas, atraentes, fazem com que o projeto de Sanders se destaque em um campo já bastante ambicioso: um programa de incentivos e de auxílio financeiro para ampliar a aquisição e o uso de veículos elétricos, planos para melhorar o número de passageiros no transporte público em 65% até 2030; a exigência de que o Escritório de Orçamento do Congresso trabalhe com a Agência de Proteção Ambiental para atribuir a novas leis uma pontuação climática, com escores, assim como a pontuação orçamentária que já é adotada; e o respeito à Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas para assegurar o consentimento prévio, livre e embasado por parte dos povos indígenas.

O plano também gerou controvérsias entre aqueles que veem ideias contra a energia nuclear como algo antagônico à descarbonização. A proposta também exclui de antemão medidas para captura e armazenamento de gás carbônico, que especialistas consideram necessárias a curto prazo, para promover a transição em setores onde é mais difícil descarbonizar — mas que têm sido usadas por executivos do setor de combustíveis fósseis como forma de obter um adiamento indefinido. A tributação em cima da emissão do gás carbônico tem sido um dos pilares das propostas climáticas de Sanders, e seu esquema para o New Deal Verde não exclui essa opção, mas também não a enfatiza.

“Mais importante ainda, nós devemos construir um movimento popular sem precedentes que seja poderoso o bastante para lutar contra eles e ganhar.”

Permeando o projeto há uma teoria diferente e mais explícita de mudança em relação às plataformas apresentadas por outros proponentes; o plano de Sanders está fundamentado em mobilização e na identificação de inimigos. Ele promete lutar contra os “bilionários dos combustíveis fósseis cuja ganância reside no cerne da crise climática”, que, segundo ele, “gastaram centenas de milhões de dólares protegendo seus lucros às custas de nosso futuro” e “que farão qualquer coisa para extrair até o último centavo do planeta”. Ao esboçar como o plano será financiado, Sanders afirma que obterá US$ 3,085 trilhões fazendo com que “a indústria dos combustíveis fósseis pague por sua poluição, por meio de processos, impostos e outros tributos, além da eliminação de subsídios federais ao setor”.

“Mais importante ainda”, diz Sanders, “nós devemos construir um movimento popular sem precedentes que seja poderoso o bastante para lutar contra eles e ganhar. Jovens, ativistas, tribos, cidades e estados por todo este país já deram início a esse importante trabalho, e nós vamos seguir seus passos.”

Essa é uma abordagem que distingue Sanders não só em relação a outros candidatos nas primárias do Partido Democrata como também em relação ao discurso político sobre o clima que predominou nos Estados Unidos ao longo dos últimos 30 anos.

O mais perto que o país já chegou de aprovar uma legislação abrangente para reduzir as emissões de gás carbônico foi a luta perdida no congresso em torno da lei de cap-and-trade, um esquema de troca de emissões, em 2009 e 2010. Existem muitos motivos pelos quais aquele plano falhou e muitos fatores infelizes convergiram para aniquilar suas chances. Uma das principais razões? Alguns seus defensores mais influentes estavam mais interessados em derrotar as corporações do que em convencer o público de que essa era uma boa ideia. Na avaliação deles, o caminho para obter apoio republicano era enfraquecer o meio empresarial, aproveitando-se dos fortes laços que, historicamente, unem as corporações ao Partido Republicano. A peça-chave para chegar a isso seria um programa de cap-and-trade, estabelecendo um limite, ou cap, para a quantidade de poluentes que as companhias poderiam emitir. Se uma empresa ultrapassasse o limite, poderia comprar mais de outra ou vender qualquer excesso, no que é conhecido como mercado de carbono.

Em 2007, USCAP, capitaneada pelo Fundo de Desenvolvimento Ambiental, convocou organizações ambientais próximas ao governo, assim como as 500 maiores empresas listadas pela Fortune — incluindo BP America, Duke Energy e Lehman Brothers —, para dar início a um plano que contava com aliados no Capitólio. Acreditava-se que a política climática poderia ser delineada e aprovada a portas fechadas, e defensores do cap-and-trade nunca se mexeram para explicar o que as medidas significavam para o público em geral ou — diante de uma recessão crescente — como elas poderiam melhorar a vida da população; preferiram, em vez disso, repetir o sermão acerca de quão grave era a ameaça do aquecimento global.

Uma das principais razões é que alguns de seus defensores mais influentes estavam mais interessados em derrotar as corporações do que em convencer o público de que essa era uma boa ideia.

Com mais de mil páginas, o projeto de lei, que ficou conhecido como Waxman-Markey, conseguiu avançar após uma articulação política cuidadosa e com concessões consideráveis. Como David Roberts, que escreve sobre mudanças climáticas, apontou, a lei em si era mais abrangente do que seus críticos admitiam. Mas a política que a orientava — reflexo de uma dinâmica mais ampla em Washington, e dentro do Partido Democrático em particular — se apoiava em uma premissa precária: a de que os republicanos e as corporações estavam dispostos a negociar a legislação climática com boa fé. O movimento ultraconservador Tea Party estava ganhando força rapidamente, e os irmãos Koch passaram os meses após a votação na Câmara mobilizando seu império na área de combustíveis fósseis contra os republicanos moderados que tinham apoiado a lei e mesmo contra alguns que não tinham, dando suporte para que grupos como o conservador Americanos para a Prosperidade gerassem uma revolta contra o crap-and-tax empurrando o partido para a extrema direita. No momento em que uma lei similar à Waxman-Markey chegou ao Senado, no segundo semestre daquele ano, o ânimo em prol da ação climática já havia esfriado.

Enquanto isso, as corporações puderam facilmente jogar dos dois lados do campo: enfraquecendo leis que aparentemente poderiam ser aprovadas, enquanto se esforçavam para ter certeza de que elas jamais o seriam. Em um artigo de 2015, o cientista político Jake Grumbach mostra que várias empresas que se uniram à USCAP simultaneamente apoiaram lobistas contra a ação climática. Shell, BP e ConocoPhillips eram membros da USCAP e do Instituto Americano de Petróleo, através do qual ajudaram a reforçar a campanha “Energy Citizen”, que promoveu manifestações pagas contra o cap-and-trade pelo país, mirando os senadores em seus próprios distritos, durante o recesso de verão. Esses eventos foram planejados de forma coordenada com a Câmara Americana de Comércio, da qual Chrysler, Deere, Dow Chemical, Duke Energy, GE, PepsiCo, PNM Resources e Siemens (que integravam a USCAP) eram todas membros.

Isso permitiu que as companhias efetivamente enfraquecessem o processo político ao mesmo tempo em que colhiam um retorno positivo no quesito relações públicas, por aparentemente apoiarem a solução para o problema. “O meio empresarial não apenas ampliou suas chances aproximando uma possível legislação climática de seus interesses e moldando a arena política para o futuro”, escreve Grumbach. “Eles estavam simultaneamente dispostos a investir recursos com o intuito de virar o debate político a seu favor e impedir que a legislação passasse, em primeiro lugar”. Tudo isso, é claro, veio depois de a indústria dos combustíveis fósseis (e algumas das mesmas empresas, think tanks e associações empresariais que combateram o cap-and-trade) passar duas décadas fazendo campanha para pôr em dúvida a veracidade do aquecimento global, deslocando o terreno do debate político em que a disputa em torno do cap-and-trade ocorria.

Ativistas protestam em apoio à proposta a legislação do New Deal verde, do lado de fora do escritório do líder da minoria no Senado, Chuck Schumer, em 30 de abril de 2019, em Nova York.

Ativistas protestam em apoio à proposta a legislação do New Deal verde, do lado de fora do escritório do líder da minoria no Senado, Chuck Schumer, em 30 de abril de 2019, em Nova York.

Foto: Drew Angerer/Getty Images

Sem contar com o apoio dos republicanos ou das corporações na batalha no Senado, e com poucas pessoas animadas a defendê-la, fora aquelas que integravam o círculo mais próximo do governo, a cap-and-trade morreu com um lamento. Em uma extensa análise de 2013, Theda Skocpol, professora de sociologia da Universidade Harvard, escreveu: “ao longo desse ano crucial, republicanos, incluindo aqueles que supostamente eram amigos de longa data do movimento ambiental, como John McCain, simplesmente desapareceram; e no fim das contas, senadores republicanos se negaram de forma unânime a apoiar qualquer versão de cap-and-trade”.

O ponto positivo aqui é que o New Deal Verde de Sanders apresenta uma abordagem que não poderia ser mais diferente da investida climática que ocorreu no Capitólio dez anos atrás — e, ao abandonar aquela estratégia restrita a iniciados, tem uma chance real de ser bem-sucedida. Como Skocpol escreveu em 2013:

A maré só pode virar na próxima década por meio da criação de uma política de mudança climática que envolva uma ampla mobilização popular de centro esquerda. É isso que será necessário para combater a associação entre a oposição da elite do livre mercado e a mobilização da direita contra soluções para o aquecimento global. (…) Enquanto isso, liberais e moderados precisam construir um movimento populista anti-aquecimento global do seu próprio lado do espectro político.

Sanders, é claro, não é o único a adotar uma abordagem centrada em mobilização popular, extensão de seu longo apelo por uma “revolução política”. Essa mobilização também faz parte dos planos dos organizadores do Movimento Sunrise para vencer política climática. Uma das principais mensagens que Weber me disse a partir de seus estudos sobre a disputa em torno do cap-and-trade “é que você realmente precisa de um movimento que vá pressionar durante e depois da campanha, é preciso cobrar os políticos. Não basta apenas vencer as eleições.” Como Weber disse, reformas estruturais como o fim do obstrucionismo e do Colégio Eleitoral — demandas que não aparecem nos planos de Sanders — provavelmente serão pontos-chave para conseguir aprovar essa legislação. Mas delinear uma política que visa à construção de um movimento é fundamental para tornar possível uma votação no plenário.

“A maré só pode virar na próxima década por meio da criação de uma política de mudança climática que envolva uma ampla mobilização popular de centro esquerda,” escreveu Skocpol em 2013.

Se um dos maiores erros da Waxman-Markey foi a inabilidade de seus apoiadores para mostrar como a lei climática tornaria a vida das pessoas mais fácil, o New Deal Verde opera constantemente entregando e divulgando ganhos tangíveis em qualidade de vida, usando vitórias prévias como uma oportunidade para obter mais apoio junto às muitas e muitas pessoas que serão necessárias para desafiar o poder colossal dos executivos de combustíveis fósseis, dispostos a ir à luta de um jeito ou de outro. O New Deal Verde de Sanders oferece à população uma visão de quão melhor o mundo seria sem eles; seus princípios e sua política não estão apartados.

O plano de Sanders prevê uma série de investimentos tanto em trabalhadores como em comunidades já atingidas duramente pelo declínio no número de empregos em indústrias como a do carvão. As provisões para uma transição justa proporcionariam cinco anos de seguro desemprego, uma garantia salarial e um monte de outros benefícios para trabalhadores, assim como US$5,9 bilhões em financiamento a agências regionais de desenvolvimento econômico como a Comissão Regional Apalachiana. Reforçando quão sólida essa transição será, o New Deal Verde vai gastar seus primeiros dois anos “estabelecendo intensamente uma rede de segurança social para garantir que ninguém será deixado para trás”, expandido programas estatais de bem-estar social — como almoços gratuitos nas escolas e programa de suplemento alimentício — que em décadas recentes passaram a sofrer ataque tanto dos democratas como dos republicanos.

Há também várias referências à implementação do [seguro de saúde] Medicare para Todos e a um aumento expressivo da filiação sindical no texto que a equipe de Sanders apresentou em outro plano na semana passada. Comunidades em todo o país também poderiam receber auxílio financeiro para assumir o controle de suas instalações elétricas particulares, e o plano corajosamente estabelece um esquema detalhado para “acabar com a ganância em nosso sistema de energia” e garantir que a “energia renovável gerada pelo New Deal Verde seja de propriedade pública” — uma condição que certamente vai desagradar os atuais proprietários das instalações, que gastaram milhões bloqueando medidas climáticas em cada esfera do governo. Inicialmente, o Estado vai ficar com o lucro proveniente dos novos serviços de energia, mas, de acordo com o plano, essa energia renovável será “virtualmente gratuita” depois de 2035.

Usando uma velha cartilha, republicanos vão associar ao socialismo qualquer plano voltado a refrear emissões — seja a taxação de carbono, seja um padrão de eficiência energética. O plano de Sanders não se esquiva do fato de que o governo realmente vai desempenhar um papel mais ativo na economia — ou que a vida da maioria das pessoas será melhor por isso.

Em vez de ser receptivo aos interesses dos combustíveis fósseis na mesa de negociações, Sanders os elege como inimigo número um. Há tanto razões práticas quanto políticas para não alistar as colegas da ExxonMobil na transição para uma economia de baixo carbono: o centro de seu modelo de negócios — desenterrar e queimar tanto carvão, óleo e gás quanto possível — não mudou, e é claramente incompatível com o processo de descarbonização no tempo que a ciência diz ser necessário para evitar uma catástrofe. Além de banir o fraturamento e a “decapitação” de montanhas para mineração de carvão, assim como a extração em áreas estatais, Sanders planeja “processar a indústria dos combustíveis fósseis pelos danos causados”, referindo-se especificamente a revelações feitas nos últimos anos mostrando que a Exxon financiou a desinformação em torno do clima, mesmo sabendo muito bem o dano que o aquecimento global representa. “Essas corporações e seus executivos não deveriam se safar depois de esconder a verdade do povo americano. Eles deveriam pagar pela destruição que sabidamente causaram”, afirma o plano. Nesse aspecto, a proposta de Sanders é mais combativa que a de Ocasio-Cortez e Markey, que não menciona combustíveis fósseis.

Diante de uma luta historicamente tímida quando se trata de dar nome aos bois — e que frequentemente apresenta o problema como sendo de ação coletiva —, o New Deal Verde encoraja uma estratégia de “nós contra eles” não muito diferente da adotada por sua homônima. “Acho que as pessoas em geral se sentem apavoradas em relação à crise climática. Mas elas também foram enganadas, em parte, pela indústria de combustíveis fósseis, para acreditar que é tudo nossa culpa”, diz Weber. “Essa obviamente não é a verdadeira história. A história real é que estamos nessa confusão graças a um punhado de bilionários, com seus lobistas e políticos. Se vamos realmente tentar superar essa crise, as pessoas precisam ouvir a verdade, precisam ficar furiosas em relação a isso e saber que, se tirarmos esses caras do caminho, poderemos ter um mundo melhor para todo mundo.”

Tradução: Amarílis Lage

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Friday 30 August 2019

Brazil’s Chief Prosecutor, Deltan Dallagnol, Lied When He Denied Leaking to the Press, Secret Chats Reveal

Brazil’s Chief Prosecutor, Deltan Dallagnol, Lied When He Denied Leaking to the Press, Secret Chats Reveal Brazil’s Chief Prosecutor, Deltan Dallagnol, Lied When He Denied Leaking to the Press, Secret Chats Reveal

Brazil’s chief prosecutor overseeing its sweeping anti-corruption probe, Deltan Dallagnol, lied to the public when he vehemently denied in a 2017 interview with BBC Brasil that his prosecutorial task force leaked secret information about investigations to achieve its ends.

In fact, in the months preceding his false claim, Dallagnol was a participant in secret chats exclusively obtained by The Intercept, in which prosecutors plotted to leak information to the media with the goal of manipulating suspects by making them believe that their indictment was imminent even when it was not, in order to intimidate them into signing confessions that implicated other targets of the investigation.

Critics of the so-called Car Wash investigation — which imprisoned dozens of Brazilian elites including, most significantly, the center-left ex-President Luiz Inácio Lula da Silva when he was leading all polls to win the 2018 presidential election (ultimately won by Jair Bolsonaro after Lula was barred) — long suspected that the prosecutorial team was responsible for numerous media reports that revealed sensitive details about suspects targeted by the investigations.

Dallagnol and his team always publicly, even angrily, denied this. Yet the Secret Brazil Archive obtained by The Intercept, which we began reporting on June 9, contains numerous instances of the prosecutorial team planting exactly the sorts of leaks they repeatedly denied involvement in — often with motives that rendered the outcome legally questionably, if not outright illegal.

One illustrative example came relatively early in the investigation. On June 21, 2015, in a Telegram group for task force members, the Car Wash prosecutor Orlando Martello Júnior asked one of his colleagues, Carlos Fernando dos Santos Lima: “what is the strategy for revealing the next steps in the cases of Electrobras, etc.?” Santos Lima replied that while he did not know what specifically his colleague was referring to, “my leaks are always designed to cause them to think that investigations are inevitable and thus incentivize them to collaborate.”

According to Brazilian law of criminal prosecutions (which provides rules governing confessions as part of plea bargains), a plea bargain can be accepted only if it has been offered “voluntarily.” But the prosecutor admitted to his colleagues that he used media leaks to forge an intimidating environment and, with that, could obtain confessions through manipulative means. These actions are squarely at odds with what are required to be the voluntary nature of confessions and plea bargains.


June 21, 2015 – Chat Group: FT MPF Curitiba 2

Orlando Martello – 09:03:04 – CF(leaks) what is the strategy for revealing the next steps of Electrobras, etc?
Carlos Fernando dos Santos Lima – 09:10:08 –http://m.politica.estadao.com.br/noticias/geral,na-mira-do-chefe-,1710379
Santos Lima – 09:12:21 – I don’t know what you’re talking about, but my leaks are always designed to cause them to think that investigations are inevitable and thus incentive them to collaborate.
Santos Lima – 09:15:37 – I read the news of Flores on the other list. It’s just reheated news.
Santos Lima – 09:18:16 – Incidentally, Moro told me that he will have to use this week’s Avancini term on Angra
Martello – 09:25:33 – CFleaks, we don’t know want to do BA on Angra e Eletrobrás? Why alert them to this fact in the press conference?
Martello – 09:26:00 – In order not to lose our habit?



The prosecutors were debating strategies to reach a plea bargain agreement with Bernardo Freiburghaus, whom they believed had served as one of the engineers of the bribery scheme used by the construction giant Odebrecht. Freiburghaus had escaped a police operation to arrest him because he had relocated to Switzerland in 2014 and was being pursued with an Interpol alert.

In the chat, Santos Lima boasted, without any embarrassment, that he “leaked” information to the press. In addition, his comment implied that this was a customary practice, since it referred to the plural: “my leaks.” And the prosecutor stated with apparent pride that he did so with well-defined objectives: to use fear of indictments in order to induce suspects to act in the prosecutors’ own interests by “collaborating.”

Notably, the prosecutor’s boast of these types of leaks did not elicit any objections from the other Car Wash prosecutors. Throughout the conversations, the rest of the group remained silent, suggesting that leaks of this type were far from unusual.

On the same day, the task force’s chief prosecutor, Dallagnol, along with Martello, announced in the chat that — in order to pressure the suspect — they had leaked information to a reporter with the right-wing newspaper Estadão that the U.S. government would help investigate Freiburghaus. They were expecting that this media leak would advance their investigation by pressuring Freiburghaus. It was Dallagnol who was personally responsible for the leak, as shown in his secret conversation with the newspaper reporter (The Intercept has translated the Portuguese conversations into English).


June 21, 2015 – Private chat

Deltan Dallagnol – 11:43:49 – The operator of Odebrecht was Bernardo, who is in Switzerland. The U.S. will act on our request, because the transactions passed through the U.S. We have already made a request for US cooperation regarding deposits received by PRC. This is something new. Are you interested in publishing this today or tomorrow, REDACTED, keeping my name off? You can say “source in the MPF.” At the press conference, Igor said there is a red notice to arrest him, and there is. He can be arrested anywhere in the world. Now with the US in action, which is new, let’s see if we can do what was done in the FIFA case to Bernardo, which is what inspired us.
REDACTED – 11:45:44 – Whoa awesome! !!!! I will publish today!!!!!!!


As the conversation progressed, the reporter advised that the story about U.S. aid in the Odebrecht case (which was not formalized at the time) would be the Estadão headline the next day.

Back in the prosecutor’s Telegram chat group, a conversation between June 21 and 22 detailed the task force’s intentions toward Freiburghaus:


June 21, 2015 – Chat Group: FT MPF Curitiba 2

Deltan Dallagnol – 20:33:52 – Tomorrow the cooperation with the US regarding Bernando is the headline in Estadão.
Dallagnol – 20:34:00 – Confirmed
Carlos Fernando dos Santos Lima – 20:55:16 – I tried to read, but I couldn’t. Tomorrow I’ll look. Let’s closely control the media. I have space at FSP [Folha], who knows how we can use them if we need.


The information leaked by the Car Wash prosecutorial task force was indeed the newspaper headline, and the methods of pressure imposed on the investigative source were resumed shortly thereafter in the same chat:


June 22, 2015 – Chat Group: FT MPF Curitiba 2

Deltan Dallagnol – 01:56:40 – I think we need to request a freeze of his assets in Switzerland
Dallagnol – 01:56:48 – Bank account, real estate and others
Dallagnol – 01:57:00 – Go and tell him he’ll lose everything
Dallagnol – 01:57:20 – Have him on his knees and then offer redemption. There’s no way he won’t take it


Cover of the newspaper Estadão de S. Paulo on June 22, 2015, the headline of which reads: “Americans will help to investigate Odebrecht.”

At the end of the day, the strategy failed, as Freiburghaus never provided any plea bargain or cooperation.

Beyond the use of media leaks to intimidate and manipulate confessions, what makes all of this particularly incriminating is that Dallagnol has publicly, and vehemently, denied that Car Wash prosecutors have ever used any leaks, claiming that all the leaks about Car Wash came instead from defense attorneys and their clients. In the interview with BBC Brasil following a speech he gave at Harvard Law School in April 2017, Dallagnol said that “public officials do not leak information — the loophole is inevitable access to secret data by defendants and their clients.” When asked directly if the task force had leaked, the chief prosecutor replied, “In cases where only public officials had access to the data, the information did not leak.”

Responding to inquiries from The Intercept about this story, the press spokesperson for the Car Wash task force denied that the prosecutors had ever leaked information to Estadão, insisting that it “never leaked sensitive information to the press, contrary to what the questioning suggests.” To justify this denial, the task force argues that information passed to the press must violate the law or a court order to be characterized as a “leak.” Using this newly created definition of “leak,” the task force argues that the material sent by Dallagnol to Estadão did not, in its view, violate either the law or any court order and therefore, cannot be accurately described as a “leak.”

“Is there any chance to release the news to GOL?”

But The Intercept’s reporting here does not claim or suggest that Dallagnol or Santos Lima committed a crime or violated court orders by leaking information that was not known to the public. The point of the reporting is that the prosecutors did exactly what Dallagnol told the BBC they never did: namely, leaked inside information about investigations of which the public and the media were unaware in order to advance their investigative goals.

To defend Dallagnol from this clear evidence that he lied, the task force is trying to invent a new definition of “leak,” a meaning that only considers an act to be a “leak” if it entails a violation of the law or a court order. But that, to put it generously, is not a commonly recognized understanding of what leaking means. Indeed, in his interview with the BBC, Dallagnol did not deny that the task force illegally leaked. He denied that the task force used leaks of any kind — “public officials do not leak information,” he said, adding: “In cases where only public agents had access to the data, the information did not leak.”

The task force’s insistence that it never used leaks is especially bizarre given that Santos Lima himself boasted that he did just that, using the word “leak” to describe his own actions: “my leaks are always designed to cause them to think that investigations are inevitable and thus incentive them to collaborate,” he wrote, demonstrating that even the prosecutors themselves do not understand leaks to have the definition they are now trying to impose on it. Moreover, in his conversation with the Estadão reporter, Dallagnol himself described the information he was sending about the proposed collaboration with the U.S. as “new” and for this reason, insisted that the information he sent could only be published if they keep “my name off” the record.” If the information published was already public, as the Car Wash task force is now claiming through its spokesperson, why would Dallagnol insist on anonymity?

Thus, the task force’s denial that prosecutors did exactly what Dallagnol falsely insisted they never did — leaking information that was not known to the public — is contradicted by the prosecutors’ own words, as posted in the chat above, in which they themselves describe their actions as “leaks.” It is also negated by Dallagnol’s insistence to the Estadão reporter that information passed to the paper should not be attributed to him. It is further refuted by other repeated episodes in which prosecutors admit to leaking information about investigations to the media, often using specifically the word “leaks” that they now seek to redefine.

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Deltan Dallagnol to the BBC: “In cases where only public agents had access to the data, the information did not leak.”

Photo: Fernando Frazão/Agência Brasil

Selective Leak

These leaks were not isolated cases. In 2016, Car Wash prosecutors spoke explicitly about their use of “selective leaking” to the media intended to influence and manipulate a rumored petition for habeas corpus from former Speaker of the House Eduardo Cunha, to be filed in the Supreme Court:


December 12, 2016 – Chat Group: Filhos do Januario 1

Carlos Fernando dos Santos Lima – 18:45:31 – I received from the Russian: off the record I received news, I don’t know if it’s true, that there would be an order from the Supreme Court that would release Cunha tomorrow
Roberson Pozzobon – 18:51:49 – This info is circulating here at the federal prosecutor’s office also
Paulo Roberto Galvão – 18:57:24 – The Supreme Court would be drained. I don’t believe it.
Athayde Ribeiro Costa – 18:57:40 –toffi, lewa and gm. I don’t doubt it.
Santos Lima – 18:58:37 – It’s necessary to see who goes to the hearing.
Jerusa Viecili – 18:58:39 – Pqp
Santos Lima –19:00:58 – Is there any chance to release the news to GOL?
Costa – 19:01:35 – selective leak …


These dialogues prove that Dallagnol lied to the BBC when he denied the use of leaks. That denial came after Dallagnol participated in several conversations in which his task force colleagues explicitly discussed doing what he publicly denied: namely, promoting leaks and using the media for their own interests. Ironically, Dallagnol himself pointed out to the BBC how complex the task of proving leaks was because, according to him, those involved always deny it.

“It is very difficult to identify the point (source of the leak), because if you listen to these people, they will deny it,” he said. Indeed they do. That’s precisely what Dallagnol and his colleagues spent years doing falsely — until the truth was finally revealed through the publication of their own words.

João Felipe Linhares has contributed research to this article.

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Thursday 29 August 2019

Dallagnol mentiu: Lava Jato vazou sim informações das investigações para a imprensa — às vezes para intimidar suspeitos e manipular delações

Dallagnol mentiu: Lava Jato vazou sim informações das investigações para a imprensa — às vezes para intimidar suspeitos e manipular delações Dallagnol mentiu: Lava Jato vazou sim informações das investigações para a imprensa — às vezes para intimidar suspeitos e manipular delações

Procuradores da força-tarefa da Lava Jato usaram vazamentos com o objetivo de manipular suspeitos, fazendo-os acreditar que sua denúncia era inevitável, mesmo quando não era. O intuito, eles disseram explicitamente em chats do Telegram, era intimidar seus alvos para que eles fizessem delações.

Além de ética questionável, esse tipo de vazamento prova que o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, mentiu ao público ao negar categoricamente que agentes públicos passassem informações da operação. Dallagnol participou de grupos nos quais os vazamentos foram planejados, discutidos e realizados. Em um deles, o próprio coordenador efetuou o tipo exato de vazamento que ele negou publicamente que partisse da força-tarefa.

Um exemplo ilustrativo desse método ocorreu relativamente cedo nas operações. Em 21 de junho de 2015, o procurador da Lava Jato Orlando Martello enviou a seguinte pergunta ao colega Carlos Fernando Santos Lima, no grupo FT MPF Curitiba 2, que reúne membros da força-tarefa: “qual foi a estratégia de revelar os próximos passos na Eletrobrás etc?”. Santos Lima disse não saber do que Martello estava falando, mas, com escancarada franqueza, afirmou: “meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração.”

Pela lei das organizações criminosas (que estipulou regras para as delações premiadas), o acordo só pode ser aceito caso a pessoa tenha colaborado “efetiva e voluntariamente”. Mas o procurador confessou aos colegas que usava a imprensa para forjar um ambiente hostil e, com isso, conseguir delações por meio de manipulação — o que interfere em seu caráter voluntário.


21 de junho de 2015 – Grupo FT MPF Curitiba 2

Orlando Martello – 09:03:04 – CF(leaks) qual foi a estratégia de revelar os próximos passos na Eletrobrás etc?
Carlos Fernando dos Santos Lima – 09:10:08 – http://m.politica.estadao.com.br/noticias/geral,na-mira-do-chefe-,1710379
Santos Lima – 09:12:21 – Nem sei do que está falando, mas meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração.
Santos Lima – 09:15:37 – Li a notícia do Flores na outra lista. Apenas noticia requentada.
Santos Lima – 09:18:16 – Aliás, o Moro me disse que vai ter que usar esta semana o termo do Avancini sobre Angra
Martello – 09:25:33 – CFleaks, não queremos fazer baem Angra e Eletrobrás? Pq alertou para este fato na coletiva?
Martello – 09:26:00 – Para não perder o costume?


 

A conversa ocorreu dois dias depois da 14ª fase da Lava Jato (voltada às empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez). Os procuradores estavam debatendo estratégias para conseguir um acordo de delação com Bernardo Freiburghaus, apontado como operador de propinas da Odebrecht. Freiburghaus escapou da operação, porque havia se mudado para a Suíça em 2014 e já havia contra ele uma ordem de prisão preventiva com alerta da Interpol.

No chat, Santos Lima assume, sem qualquer constrangimento, que vazava informações para a imprensa. Além disso, o seu próprio comentário, insinua que se tratava de uma prática habitual, dado que ele se refere aos vazamentos no plural — “meus vazamentos”. E o procurador afirma com aparente orgulho e convicção que agia assim com objetivos bem definidos: induzir os suspeitos a agirem de acordo com seus interesses.

Carlos Santos Lima no seminário sobre Ética, Mídia e Transparência

Carlos Fernando dos Santos Lima, quando era membro da Lava Jato: ‘meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração’.

Foto: Adriano Vizoni/Folhapress

É relevante ressaltar que o comentário do procurador não suscitou qualquer manifestação dos outros membros da Lava Jato. No decorrer das conversas, os demais membros do grupo permaneceram calados.

No mesmo dia, Deltan e Orlando anunciaram no chat terem vazado a informação de que os Estados Unidos iriam ajudar a investigar Bernardo para repórteres do Estadão, como forma de pressionar o investigado. Eles estavam antecipando a um jornalista uma movimentação da investigação. Foi Dallagnol o responsável pelo vazamento, como mostra sua conversa como o repórter do jornal.


21 de junho de 2015 – Chat privado

Deltan Dallagnol – 11:43:49 – O operador da Odebrecht era o Bernardo, que está na Suíça. Os EUA atuarão a nosso pedido, porque as transações passaram pelos EUA. Já até fizemos um pedido de cooperação pros EUA relacionado aos depósitos recebidos por PRC. Isso é novidade. Vc tem interesse de publicar isso hoje ou amanhã,SUPRIMIDO, mantendo meu nome em off? Pode falar fonte no MPF. Na coletiva, o Igor disse que há difusão vermelha para prendê-lo, e há mesmo. Pode ser preso em qualquer lugar do mundo. Agora com os EUA em ação, o que é novidade, vamos ver se conseguimos fazer como caso FIFA com o Bernardo, o que nos inspirou.
SUPRIMIDO – 11:45:44 – Putz sensacional! !!!! Publico hj!!!!!!!


 

A conversa prossegue, e o repórter avisa que a matéria sobre a ajuda dos americanos no caso Odebrecht (que não estava formalizada à época) seria manchete do Estadão no dia seguinte.

De volta ao grupo FT MPF Curitiba 2, uma conversa entre os dias 21 e 22 detalha as intenções da força-tarefa em relação a Bernardo:


21 de junho de 2015 – Grupo FT MPF Curitiba 2

Deltan Dallagnol – 20:33:52 – Amanhã cooperação com EUA pro Bernardo é manchete do Estadão
Dallagnol – 20:34:00 – Confirmado
Carlos Fernando dos Santos Lima – 20:55:16 – Tentei ler, mas não deu. Amanhã vejo. Vamos controlar a mídia de perto. Tenho um espaço na FSP, quem sabe possamos usar se precisar.


 

A informação vazada pela força-tarefa de fato virou manchete do jornal, e os métodos de pressão sobre o delator são retomados pouco depois, no mesmo chat:


22 de junho de 2015 – Grupo FT MPF Curitiba 2

Deltan Dallagnol – 01:56:40 – Acho que temos que aditar para bloquear os bens dele na Suíça
Dallagnol – 01:56:48 – Conta, Imóvel e outros ativos
Dallagnol – 01:57:00 – Ir lá e dizer que ele perderá tudo
Dallagnol – 01:57:20 – Colocar ele de joelhos e oferecer redenção. Não tem como ele não pegar


 

Capa do jornal Estado de S. Paulo em 22 de junho de 2015.

No fim das contas, a estratégia fracassou, e Bernardo Freiburghaus não delatou.

O que faz disso ainda mais relevante é que Dallagnol tem negado publicamente que os membros da Lava Jato tenham feito qualquer vazamento. Numa entrevista para a BBC Brasil, após um discurso que ele proferiu em Harvard, em abril de 2017, Dallagnol “disse que agentes públicos não vazam informações — a brecha estaria no acesso inevitável a dados secretos por réus e seus defensores”. Quando perguntado diretamente se a força-tarefa havia cometido vazamentos, o procurador respondeu: “Nos casos em que apenas os agentes públicos tinham acesso aos dados, as informações não vazaram”.

A assessoria de imprensa da Lava Jato negou que os procuradores tenham vazado informações no caso do Estadão, dizendo ao Intercept que a força-tarefa “jamais vazou informações sigilosas para a imprensa, ao contrário do que sugere o questionamento recebido”. Para justificar essa negativa, a força-tarefa argumenta que uma informação passada à imprensa deve ser ilegal ou violar uma ordem judicial para ser caracterizada como “vazamento”. Nesse sentido, a força-tarefa argumenta que o material enviado por Dallagnol ao Estadão não violou, na sua visão, nem a lei nem ordem judicial, e que por isso não pode ser considerado vazamento.

Entretanto, essa reportagem não alega nem sugere que Dallagnol ou Santos Lima tenham cometido o crime de violação do sigilo funcional ou desobedecido ordens judiciais ao vazar para a imprensa informações que não eram de conhecimento público. O argumento da reportagem é que eles fizeram exatamente o que Dallagnol afirmou à BBC que nunca faziam: vazaram informações privilegiadas sobre as investigações que o público e a mídia desconheciam para atingir seus objetivos.

‘Alguma chance de soltarmos a notícia da GOL?’

Para defender Dallagnol das evidências claras de que ele mentiu, a força-tarefa está tentando inventar uma nova definição de “vazamento”, um significado que só considera vazamento o que envolve uma violação da lei ou de uma ordem judicial. Mas não é isso que a maioria das pessoas entende como vazamento. Em sua entrevista à BBC Brasil, Dallagnol não negou que a força-tarefa realizasse vazamentos ilegais: ele negou que a força-tarefa tenha realizado quaisquer vazamentos: “agentes públicos não vazam informações”, ele disse, completando: “Nos casos em que apenas os agentes públicos tinham acesso aos dados, as informações não vazaram”.

A insistência da força-tarefa de que nunca realizou nenhum vazamento é especialmente bizarra tendo em vista que o próprio Santos Lima alardeou ter feito exatamente isso, usando a justamente palavra vazamento: “meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração”, escreveu, o que demonstra que nem os próprios procuradores entendem a palavra “vazamento” da forma que eles agora definem. Além disso, em sua conversa com o repórter do Estadão, Dallagnol descreveu a informação que ele estava enviando, sobre a proposta de colaboração com os EUA, como “novidade”, e por essa razão insistiu que a informação que ele enviou só poderia ser publicada “mantendo meu nome em off”. Se a informação já era pública, como defende a Lava Jato por meio de sua assessoria, por que pedir off?

Além disso, a própria nota enviada ao Intercept admite que os procuradores adiantaram uma ação da investigação ao Estadão – uma informação privilegiada, portanto, ainda que não protegida por sigilo judicial formalizado. “O único caso mencionado na consulta à força-tarefa se refere a uma reportagem do Estadão que combinava dados disponíveis em processos públicos e uma informação nova, igualmente sem sigilo, sobre possíveis estratégias que se cogitavam adotar no futuro, em relação à formulação de pedido de cooperação a ser enviado, o que não caracteriza vazamento”, diz a nota. De fato, a colaboração com a Suíça citada na reportagem era pública, mas a “informação nova” (o pedido de ajuda aos EUA que foi a manchete do jornal) não era pública porque nem sequer havia sido formalizada até a publicação do texto.

Dessa forma, a negativa da força-tarefa de que os procuradores fizeram exatamente o que Deltan falsamente insistiu que nunca fizeram — vazar para a mídia informações que não eram de conhecimento público — é desmentida pelas próprias palavras dos procuradores, conforme publicadas no chat acima, em que eles mesmos descrevem suas ações como “vazamentos”. É também desmentida pela insistência de Dallagnol ao repórter que as informações passadas ao Estadão não fossem atribuídas a ele. É desmentida ainda pelos repetidos episódios em que os procuradores admitem ter vazado à mídia informações sobre as investigações, quase sempre usando especificamente a palavra “vazamentos” que eles agora buscam redefinir. E é desmentida, por fim, pela nota enviada ao Intercept.

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Deltan Dallagnol à BBC: ‘Nos casos em que apenas os agentes públicos tinham acesso aos dados, as informações não vazaram’.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Esses vazamentos não eram casos isolados. Em 2016, procuradores da Lava Jato falavam abertamente sobre o uso de “vazamento seletivo” para mídia com a intenção de influenciar e manipular um suposto pedido de liberdade para o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha:


12 de dezembro de 2016 – Grupo Filhos do Januario 1

Carlos Fernando dos Santos Lima – 18:45:31 – Recebi do russo : Off recebi uma notícia que não sei se é verdadeira que haveria uma articulação no STF para soltura do Cunha amanhã
Roberson Pozzobon – 18:51:49 – Essa info está circulando aqui a PGR tb
Paulo Roberto Galvão – 18:57:24 – O Stf seria depredado. Não acredito
Athayde Ribeiro Costa – 18:57:40 –toffi, lewa e gm. nao duvido
Santos Lima – 18:58:37 – É preciso ver quem vai fazer a sessão.
Jerusa Viecilli – 18:58:39 – Pqp
Santos Lima –19:00:58 – Alguma chance de soltarmos a notícia da GOL?
Costa – 19:01:35 – vazamento seletivo …


 

Os diálogos provam que ele mentiu à BBC. A negativa aconteceu depois de Dallagnol ter participado de várias conversas nas quais seus colegas de força-tarefa discutiram explicitamente fazer aquilo que ele negava publicamente. Isto é, promover vazamentos e usar a mídia para seus próprios interesses. Ironicamente, o próprio Dallagnol observou à BBC o quão complexa é a tarefa de provar que houve vazamentos, pois, segundo ele, os envolvidos sempre negam: “É muito difícil identificar qual é o ponto (de origem do vazamento), porque se você ouvir essas pessoas, elas vão negar”, afirmou.

As conversas fazem parte de um pacote de mensagens que o Intercept começou a revelar em 9 de junho — série conhecida como Vaza Jato. Os arquivos reúnem chats, fotos, áudios e documentos de procuradores da Lava Jato compartilhados em vários grupos e chats privados do aplicativo Telegram. A declaração conjunta dos editores do The Intercept e do Intercept Brasil (clique para ler o texto completo) explica os critérios editoriais usados para publicar esses materiais.

João Felipe Linhares colaborou com pesquisa nesta reportagem.

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