Monday, 10 February 2020

O discípulo de Olavo que vai decidir o conteúdo dos livros didáticos para crianças de 6 e 7 anos

O discípulo de Olavo que vai decidir o conteúdo dos livros didáticos para crianças de 6 e 7 anos

Um discípulo de Olavo de Carvalho que afirma ter desenvolvido seu próprio método para alfabetizar crianças será o responsável por definir qual o conteúdo dos novos livros didáticos do primeiro e segundo anos do ensino fundamental a partir de 2021.

Trata-se de Carlos Nadalim, um bacharel em direito e mestre em educação que jamais assinou publicações científicas sobre alfabetização, mas tornou-se ícone conservador por manter um blog em que dá orientações a quem prefere educar os filhos em casa e longe da escola – uma obsessão de radicais cristãos.

“Em [20]21, todos os livros serão nossos. Feitos por nós. Os pais vão vibrar. Vai estar lá a bandeira do Brasil na capa, vai ter lá o hino nacional. Os livros hoje em dia, como regra, é um amontoado… Muita coisa escrita, tem que suavizar aquilo”, bradou Jair Bolsonaro no início de janeiro.

“Eu sou aluno do professor [Olavo de Carvalho] há anos. E graças a tudo que o professor me ensinou, eu fui estudar, fui pesquisar assuntos relacionados à educação”, já escreveu Nadalim em seu blog. “O meu projeto é apenas uma pequena nota de rodapé do seu imenso trabalho”.

Uma fonte que pediu para não ser identificada disse que Nadalim convocou, sem alarde nem consulta pública, um grupo de especialistas para que desenvolvam estudos que sirvam de base para a revisão de conteúdo dos livros do primeiro e segundo anos. Perguntamos ao MEC, o Ministério da Educação, quem são eles, quais seus currículos e como foram selecionados, mas não obtivemos resposta.

O secretário espera que essa fase do trabalho esteja concluída até o fim do mês, de acordo com a fonte, e que até maio seja publicado um edital de licitação para a compra dos livros – a partir de critérios sobre os quais Nadalim dará a última palavra.

‘O meu projeto é apenas uma pequena nota de rodapé do imenso trabalho [de Olavo de Carvalho]’.

Entre os especialistas convidados pelo secretário, segundo a fonte, está a colunista da rádio CBN Ilona Becskeházy. Doutora em educação, ela é e autora de um blog em que defende o ministro da Educação, Abraham Weintraub, e o presidente Jair Bolsonaro e de um perfil no Twitter em que faz críticas à imprensa. Outro nome citado pela fonte é o do neuropsicólogo Vitor Geraldi Haase, que pesquisa cognição matemática e processamento lexical.

Também está na lista, de acordo com a fonte, a portuguesa Luísa Araújo, esposa do ex-ministro da Educação de Portugal Nuno Crato. Ele fez parte, entre 2011 e 2015, do governo de Pedro Passos Coelho, do Partido Social Democrata – que, apesar do nome, é uma sigla de orientação conservadora.

Professora universitária, Araújo afirma em seu currículo integrar, desde 2014, o conselho do Crell, um centro de pesquisa em alfabetização vinculado à União Europeia. Ela e Becskeházy serão responsáveis por reavaliar os livros de português, e Hasse, os de matemática.

Crato conseguiu elevar o desempenho dos alunos portugueses no principal indicador internacional do setor, o Pisa, graças à obsessão por submeter os alunos a avaliações contínuas para obter diagnósticos do sistema de ensino. Com isso, se tornou uma inspiração para entidades liberais brasileiras, o MEC e, particularmente, Nadalim.

Em Portugal, apuramos que Crato – que esteve no Brasil em 2018 durante o período eleitoral – disse a interlocutores ter se identificado com as ideias do candidato petista à presidência, Fernando Haddad, para a educação. Apesar disso, o ex-ministro português é visto como um político de centro-direita.

O secretário de Alfabetização cogita, inclusive, usar material didático português como modelo para o do ensino fundamental brasileiro, segundo a fonte. Também decidiu implantar já em 2020 provas de avaliação já a partir do segundo ano do ensino fundamental – quando os alunos têm entre sete e oito anos. A ideia original, ainda mais radical, de avaliações para estudantes do primeiro ano, foi abortada após Nadalim ser alertado de que ela contraria a Base Nacional Comum Curricular.

Tudo o que o MEC informou, ao ser questionado a respeito desses planos, foi que adquire o material didático “com base no Decreto 9.099/17, que prevê a compra dos materiais a partir de um edital prévio e de acordo com a escolha de cada escola”.

Enquanto isso, no penúltimo dia de 2019, Bolsonaro assinou um longo decreto em que, além de alterar profundamente a estrutura de cargos e funções de nomeação política no MEC, também abriu brecha para que o próprio governo possa editar os livros didáticos distribuídos gratuitamente a alunos de escolas públicas – atualmente, eles são comprados de grandes editoras do setor.

A turma de Olavo está de olho num negócio de R$ 2,3 bilhões.

Um dos artigos do decreto determina que a diretoria de alfabetização poderá “elaborar materiais e recursos didático-pedagógicos de alfabetização, de literacia e de numeracia”. Segundo a jornalista Vera Magalhães, isso pode abrir as portas desse mercado para editoras nanicas ligadas a Olavo, o ideólogo que vê uma doutrinação marxista embutida nos currículos escolares e acha que o governo deve abrir mão do papel de fornecer educação aos cidadãos.

Quer dizer: disfarçada em seus trajes de cruzados medievais em uma guerra santa contra o comunismo e em defesa de valores ultraconservadores, a turma de Olavo está de olho num negócio de R$ 2,3 bilhões. E tem relações estreitas com Nadalim, secretário de Alfabetização do MEC.

Blogueiro e diretor da escola da mãe

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Paulo Briguet, Nadalim, Vélez Rodríguez, Silvio Grimaldo e Bernardo Küster, em foto publicada logo após a nomeação do trapalhão e breve primeiro ministro da Educação do bolsonarismo.

Foto: Reprodução/Facebook de Carlos Nadalim

Até ser guindado ao governo Bolsonaro pelo trapalhão ex-ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez, Carlos Francisco de Paula Nadalim vivia em Londrina, onde estudou e fez carreira profissional. Com 485 mil habitantes, a cidade, a maior do interior do Paraná e a quarta da região sul, é berço político de figuras como o doleiro Alberto Youssef, o ex-ministro petista Paulo Bernardo e o senador lava-jatista Alvaro Dias, do Podemos, e que ultimamente se tornou uma espécie de meca do olavismo.

Nadalim é aluno assíduo do ideólogo, a ponto de ir aos Estados Unidos estrelar eventos dele – como um encontro de escritores que apresentou o estado como “promotor da ignorância”. Em Londrina, fez parte da alta cúpula local dos seguidores de Olavo, como deixa claro uma foto publicada em seu perfil no Facebook em 23 de novembro de 2018, dia seguinte ao da nomeação de Vélez – também morador de Londrina – para sua curta e destrambelhada passagem pelo MEC.

Nela, Nadalim aparece descontraído no que parece ser um churrasco, fazendo arminha com a mão, ao lado dos jornalistas Silvio Grimaldo e Paulo Briguet, respectivamente diretor-executivo e editor-chefe do recém-lançado Brasil Sem Medo, criado sob a benção do filósofo e autodenominado “o maior jornal conservador do Brasil”, do ministro recém-nomeado e do youtuber ultra reacionário Bernardo Küster, notório propagador de mentiras e campanhas de perseguição e difamação no Twitter.

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Brasil Sem Medo, o jornal online do olavismo: ponto de contato entre Nadalim e editoras ligadas ao ideólogo.

Imagem: Reprodução/Homepage do site Brasil Sem Medo

Nadalim se formou em direito na Universidade Estadual de Londrina, a UEL, em 2002. Ali, também cursou duas especializações e fez mestrado em educação, que concluiu em 2009.

Em 2013, lançou o blog Como Educar Seus Filhos, que tem como temas principais a educação domiciliar e o método fônico de alfabetização. Também alimentava um canal homônimo no YouTube que tem 210 mil inscritos. Seu alvo eram famílias conservadoras, desconfiadas da suposta doutrinação ideológica de esquerda nas escolas alardeada pela extrema direita e que desejam alfabetizar os filhos em casa.

O método fônico defende o ensino a partir dos sons das letras e, a seguir, das sílabas. É um contraponto ao aprendizado da leitura a partir da interpretação de textos e discussões sobre o cotidiano dos alunos, defendido pelo patrono da educação no Brasil, Paulo Freire, de quem Nadalim é crítico feroz.

Mas há quem veja a proposta do secretário bolsonarista para a alfabetização como limitada e muito tecnicista. “Regiões mais pobres sempre tiveram mais problemas na alfabetização. Se não se faz uma relação da alfabetização com uma questão mais ampla, e se considera a alfabetização um direito individual, e não um direito social, a gente desloca toda a discussão para uma questão muito técnica e individualista”, disse a professora Isabel Frade, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Universidade Federal de Minas Gerais e integrante da Associação Brasileira de Alfabetização.

“A equipe técnica da secretaria de Alfabetização não está compreendendo a diversidade de realidades do Brasil nem as diversas possibilidades de métodos para propiciar a aprendizagem. É isso que questionamos: não perder possibilidades fazendo redução metodológica”, afirmou Luiz Miguel Martins Garcia, doutor em linguística aplicada e presidente da Undime, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação.

‘Na Escola Mundo do Balão Mágico, de minha mãe, já coordenei e acompanhei a alfabetização de mais de 400 crianças’.

“Temos uma área que é fraca tecnicamente [na secretaria de Alfabetização], temos uma demora de entrega [das políticas públicas de ensino]. Mas de alguma forma isso é um reflexo do governo como um todo”, avaliou Garcia, secretário da Educação de Sud Mennucci, um pequeno município de interesse turístico no extremo noroeste de São Paulo. É às prefeituras que cabe tocar os primeiros anos do ensino fundamental.

Nadalim sintetizou seu método de alfabetização num livro de meras 32 páginas publicado em 2015 apenas na internet intitulado “As 5 etapas para alfabetizar seus filhos em casa: o guia definitivo”.

“Na Escola Mundo do Balão Mágico, de minha mãe, já coordenei e acompanhei a alfabetização de mais de 400 crianças”, escreveu, na introdução. “Além disso, ministrei cursos na internet para 776 pessoas, entre pais e futuros pais, que praticam os exercícios em casa e já começaram a colher frutos além das expectativas. Também recebemos relatos de pais, dizendo que as crianças adoram o método. Portanto, conheço o passo a passo para formar um leitor hábil”.

No livro, Nadalim conta que era professor universitário de Ética e Filosofia e que se desiludiu com a carreira após ter feito o curso online de filosofia de Olavo de Carvalho. Segundo o hoje secretário do MEC, as aulas do ideólogo o convenceram de que não tinha preparo suficiente para atuar na academia.

O lance decisivo, porém, foi um grave acidente sofrido por um irmão. A mãe mudou-se para Curitiba para cuidar do filho, e Nadalim ficou responsável pela escola de educação infantil dela. Certo dia, ele disse ter recebido um sinal de Santa Teresinha do Menino Jesus enquanto rezava pela recuperação do irmão: “Carlos, retire-se da universidade, porque o seu lugar não é aí, e vá ao encontro das crianças”, teria dito a santa ao secretário do MEC, segundo o livro.

Nadalim, então, buscou orientações com Luiz Faria, professor na Universidade Estadual de Maringá e defensor da educação domiciliar. A partir de métodos de alfabetização que Faria considerava eficazes, Nadalim desenvolveu a própria cartilha, que aplicou na escola da família.

É com esse arcabouço intelectual que Nadalim coordenou a criação da Política Nacional de Alfabetização, lançada pelo MEC em agosto do ano passado. E que, agora, irá selecionar conteúdo para os livros didáticos de crianças em idade de alfabetização.

As editoras do olavismo

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O ministro da Educação, Abraham Weintraub, é observado por Nuno Crato, ex-ministro da Educação de Portugal, e Carlos Nadalim durante o lançamento do Caderno da Política Nacional de Alfabetização, em agosto de 2019.

Foto: Luis Fortes/MEC

Impulsionadas por Olavo de Carvalho e alguns de seus alunos, pequenas e médias editoras têm se proliferado com a publicação de conteúdo conservador, tanto de escritores brasileiros quanto de autores estrangeiros que ainda não têm suas obras traduzidas para o português.

Ao contrário dos demais editores do país, os olavistas têm acesso direto ao secretário de alfabetização do MEC. Para começar, Nadalim é sócio do proprietário do Brasil Sem Medo, Arno Rocha de Alcântara Júnior, numa empresa chamada Alcântara e Nadalim Cursos On-line.

Já Grimaldo, que foi assessor especial de Vélez entre janeiro e março passado – perdeu o cargo num expurgo de olavistas comandado pela ala militar do governo – também é dono da Vide Editorial, que já publicou, segundo seu site, mais de 150 obras de cunho conservador. Grimaldi já fez favores a Nadalim, como esta propaganda do curso de alfabetização caseira dele.

Ao contrário dos demais editores do país, os olavistas têm acesso direto ao secretário de alfabetização do MEC.

A Vide Editorial é apenas um ponto em uma rede de editoras criadas para fornecer armamento à guerra cultural do olavo-bolsonarismo. A maioria delas está sob o guarda-chuva de uma empresa chamada Cedet. O dono dela é César Kyn D’Avila, um engenheiro de Campinas especializado em telecomunicações.

A Cedet também é dona de vários outros selos editoriais de orientação conservadora, como a Kirion, cujo principal nicho são publicações sobre educação, e a Ecclesiae, que publica obras cristãs.

A Cedet, além disso, empresta seu CNPJ para uma série de livrarias digitais irmãs que aparecem nos sites de influenciadores da extrema direita. No grupo estão os youtubers Bernardo Küster e Nando Moura, a deputada estadual Ana Campagnolo, do PSL catarinense e o blog de notícias falsas Terça Livre. No total, são pelo menos 11 livrarias e cinco editoras vinculadas à Cedet. Até o seminário de filosofia de Olavo de Carvalho tem uma livraria online abrigada no CNPJ da empresa.

Enviamos à Receita Federal perguntas sobre a atuação da Cedet e o uso do CNPJ dela por outros sites, mas o órgão não quis comentar o caso específico.

Ensine você mesmo

Popularizada nos Estados Unidos dos anos 1970 por pais e mães hippies que achavam as escolas públicas caretas demais, a educação domiciliar se tornou uma obsessão de cristãos ultraconservadores, particularmente católicos, nas décadas seguintes. Os pais norte-americanos que desejam ver os filhos aprendendo que Deus criou o mundo em sete dias se tornaram um movimento de peso – aproximadamente 2 milhões de crianças estudam em casa nos EUA, a imensa maioria delas brancas.

Carlos Nadalim, hoje a única indicação direta de Olavo de Carvalho a permanecer no MEC, compartilha desse entusiasmo com seu mestre. “De acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade Católica de Brasília, mais de 50% de nossos universitários são analfabetos funcionais. E você sabe qual é a causa dessa tragédia? Infelizmente, há muito tempo, a maioria de nossas escolas adota os piores métodos de alfabetização que existem. Métodos que, de tão maléficos, em alguns países são até proibidos. Então, diante desse quadro, você precisa fazer alguma coisa em casa para proteger seus filhos dessa tragédia”, alertou Nadalim, em tom alarmista, num vídeo publicado de março de 2016.

Nadalim é próximo a empresas que ganham dinheiro oferecendo produtos e serviços para educação domiciliar.

Em seguida, convidou o espectador a participar de um curso online ministrado por ele mesmo.

Não fica só no entusiasmo. O secretário de alfabetização do MEC também é próximo a empresas que ganham dinheiro oferecendo produtos e serviços para quem quer adotar a educação domiciliar, que não é legalizada no Brasil. Uma delas é a Encontrando Alegria, um site que abriga uma pequena loja virtual e vende até um e-book de “homeschooling católico”, um guia para que famílias eduquem suas crianças em casa.

O site chegou a fazer parcerias com o curso de alfabetização de Nadalim. Uma das proprietárias, Camila Abadie, já recomendou a seus seguidores que participassem do projeto. A família Abadie é conhecida propagandista da educação domiciliar.

Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto de lei, em abril passado, para regulamentar a prática. Como não há leis proibindo expressamente o ensino doméstico, 7.500 famílias no país são adeptas, segundo estimativa da Associação Nacional de Educação Domiciliar. A proposta foi unida a outra mais antiga que trata do mesmo assunto, na Câmara dos Deputados, e aguarda a formação de uma comissão encarregada de analisar o texto.

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